A arquitetura mais quente do mundo está na Antártida

Inauguração da estação de pesquisas Comandante Ferraz está prevista para o dia 14 e vai substituir base destruída por incêndio em 2012


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Representantes da comunidade científica brasileira e do governo viajarão neste mês para a Antártida para inaugurar a nova estação de pesquisas Comandante Ferraz. Os dois longos blocos, desenhados pelo Estúdio 41, empresa de arquitetura brasileira, abrigarão laboratórios, equipes e material de suporte operacional, além de alojamentos – e podem se passar por museus de arte ou hotéis boutique.

“O Brasil é um país tropical e não estávamos acostumados a aquelas condições”, disse Emerson Vidigal, um dos diretores da empresa. “Aquelas condições” incluem temperaturas que caem a 50 graus negativos e ventos de 170 quilômetros por hora.

Durante o século 20, a arquitetura na Antártida foi pragmática, largamente improvisada, destinada a manter o frio do lado de fora e os ocupantes vivos do lado de dentro. Em 1959, o Tratado da Antártida reservou o continente para pesquisas. Desde então, cientistas chegam em número cada vez maior e com maiores necessidades cada vez maiores.

As construções na Antártida atraem hoje arquitetos que tentam dar mais estética aos prédios – bem como mais eficiência, durabilidade e fornecimento mais seguro de energia no canto mais frio do planeta. “Como arquitetos, nós nos preocupamos com o conforto, e assim procuramos criar um ambiente que promova o bem-estar”, afirmou Vidigal.

Quando exploradores britânicos construíram a primeira estrutura permanente na Antártida, em 1902, eles a isolaram com feltro e a protegeram com madeira. O local era “incômodo e frio em comparação com o navio”, comparou Ernest Shackleton, líder de três expedições britânicas à Antártida. “No primeiro ano, ela nunca foi usada como moradia.”

Quando a neve acumulada barrava a porta, a equipe tinha de sair e entrar por uma janela. O improviso continuou por décadas. Em 1956, a Real Sociedade Geográfica Britânica fundou a Estação de Pesquisas Halley, que foi coberta pela neve em 1961 e fechada em 1968. A estação substituta, Halley II, foi reforçada com vigas de aço, mas teve vida ainda mais curta, de 1967 a 1973. A Halley III durou 11 anos, Halley IV, 9, e a Halley V, 15 anos.

Quando, em 2005, a Halley precisou ser reconstruída, os britânicos se decidiram por uma nova abordagem, propondo ao Real Instituto de Arquitetos patrocinar um concurso de design. A empresa vencedora, Hugh Broughton Architects, projetou a Harley VI para durar no mínimo 20 anos.

Além do desenho ousado e impactante, a Halley VI proporciona condições mais confortáveis de vida. Ela repousa sobre pilastras hidráulicas, o que permite que seja levantada em caso de acúmulo de neve. E, se tiver de ser inteiramente deslocada, esquis em sua base tornam isso possível.

Construção em condições climáticas desfavoráveis

Em 2018, a Espanha contratou a Broughton para projetar sua nova estação de pesquisas. Como a Halley VI, ela tem um visual imponente, com instalações modulares e painéis vermelhos de plástico reforçado.

Essas construções não apenas têm de enfrentar uma das piores condições climáticas do mundo: o material de construção só pode ser enviado e montado durante um breve espaço de 12 semanas durante o verão. Muitos projetos levaram anos para serem concluídos.

Quando a Índia decidiu construir uma nova estação de pesquisas, a empresa de arquitetura escolhida – Bof Architekten, da Alemanha – encontrou um jeito de ganhar mais eficiência. Em lugar de despachar contêineres cheios de material de construção, que voltavam vazios nos navios, os arquitetos usaram os próprios contêineres no projeto.

Para os EUA, a arquitetura na Antártida tem caráter de urgência. A maior estação americana, McMurdo, construída em 1956, foi transformada em base naval improvisada e ampliada de modo improvisado durante décadas. “Hoje, para se preparem para o trabalho de campo, cientistas recebem treinamento em um prédio, guardam equipamento de campo em outro, veículos de transporte na neve em um terceiro e combustível em um quarto”, explicou Ben Roth, gerente do projeto de modernização da McMurdo, patrocinado pela Fundação Nacional de Ciência (FNC). A modernização se estenderá pela próxima década. Roth chama as atuais instalações de “sorvedouro de energia”.

Em 2012, a FNC contratou a empresa de arquitetura OZ, de Denver, para desenvolver um conceito preliminar de design para uma nova McMurdo. Duas equipes separadas, de arquitetos e construtores, tocam o projeto. O resultado, segundo Roth, incluirá modernos centros de ginástica, salas de repouso e alojamentos mais confortáveis. “Quando o Reino Unido construiu a Halley VI, muitos países compreenderam a importância de se fazer algo especial das estações da Antártida, não apenas de se fazer algo”, ressaltou Bert Buecking, da Bof Architekten. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ



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