A concorrência sucessória com os descendentes na Separação de Bens

O regime da comunhão parcial de bens e o da separação são os que mais geram divergências de interpretação.


Tema extremamente controvertido, que vem suscitando longos debates no Superior Tribunal de Justiça é acerca da influência do regime de bens em relação ao cônjuge supérstite quando da concorrência sucessória com os descendentes do falecido.

O regime da comunhão parcial de bens e o da separação – tanto a legal quanto a convencional – são os que mais geram divergências de interpretação na doutrina e, primordialmente, na jurisprudência. Não raras às vezes há casos semelhantes que são julgados de formas diametralmente opostas. De plano, já é nítida como consequência a insegurança jurídica gerada no âmbito do planejamento familiar.

O maior motivo para a enorme discrepância de entendimentos e decisões judiciais decorre da truncada redação conferida ao disposto no art. 1.829, I, do Código Civil, que dá azo a diversas interpretações, sendo que, em muitos casos, contraditórias entre si.

Considerando recente decisão proferida pela 3ª Turma do STJ, a qual analisou essa questão da concorrência sucessória no regime da comunhão da separação convencional de bens, mostra-se premente realizar um exame sobre o mencionado regime e suas implicações em matéria sucessória.

Primeiramente é conveniente esclarecer que no dito regime, os nubentes, através da realização de Pacto Antenupcial, acordam, por livre e espontânea vontade, que o patrimônio, seja anterior ou o a ser adquirido na constância do casamento, é incomunicável entre o casal, ou seja, o que é de um não é, e tampouco será, do outro.

Com isso, é axiomática a intenção dos cônjuges de que não haja a mistura do patrimônio, muitas vezes simplesmente para facilitar o planejamento patrimonial familiar. Em regra, quando é feita essa escolha, os consortes presumem que será respeitada tanto em vida ou após a morte.

E, tendo como fundamento basilar a vontade dos cônjuges, o STJ modificou seu entendimento a fim de não mais considera-lo como herdeiro necessário. A mudança de paradigma surgiu no julgamento do REsp 992.749/MS, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi que, com maestria, asseverou a importância da manutenção da vontade dos nubentes no post mortem de um deles.

E de outra forma não poderia ser. A liberdade de autodeterminação que é concedida em vida aos consortes deve prospectar seus efeitos inclusive no post mortem, sob pena de ferir substancialmente própria essência do regime escolhido.

Contudo, demonstrando um retrocesso no posicionamento, em decisão recente e não unânime proferida pela sua 3ª Turma (REsp 1.472.945/RJ), o STJ reviu seu entendimento (acórdão na íntegra ao final do artigo, através do link).

Não obstante afrontar diretamente a vontade dos nubentes, a 3ª Turma, majoritariamente, entendeu pela leitura literal do dispositivo alhures do Código Civil, em que prevê o direito de concorrência do cônjuge sobrevivo nesse regime com os descendentes do falecido, priorizando a proteção daquele. Ademais, sustentou que o regime adotado durante o casamento não pode invadir outras searas, como a do direito sucessório.

Ocorre que a letra do art. 1.829, I, do CC/02 deve ser interpretada em harmonia com os demais princípios que regem a matéria, primordialmente, a livre manifestação de vontade da pessoa e a autonomia privada. Caso assim não seja feito, restará configurada uma antinomia entre o mencionado artigo e o dispositivo que define esse modelo de regime adotado, ao afirmar expressamente a não comunicação dos bens, sem fazer qualquer forma de ressalva. Percebe-se com isso que a leitura do artigo na forma feita pela 3ª Turma ocasiona uma quebra da unidade do código civilista.

Ora, se os cônjuges em vida, por livre vontade, recusaram o recebimento de bens do outro ao optar pelo regime da separação convencional, não há razão para que isso seja desconsiderado no post mortem, quando da partilha dos bens.

Assim, percebe-se que tal questão está longe de ser pacificada pelo STJ o que, consequentemente, acarreta numa enorme insegurança jurídica, pois a volatilidade de posicionamento pela jurisprudência pátria impede que os cônjuges tenham certeza, caso algum venha a falecer, de que a vontade expressa quando da realização do casamento será efetivamente garantida no momento da partilha dos bens deixados.

Dessa forma, cada vez mais vem se mostrando relevante a realização de testamento, pois, ao menos em relação à parte disponível da herança, o indivíduo poderá livremente dispor da maneira que manifeste sua real vontade, não ficando a mercê de constantes mudanças do entendimento jurisprudencial.


Malka Y Negri Advogados
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