Breves notas sobre a promessa de compra e venda de imóvel.

É estabelecido no referido contrato que caberá ao promitente comprador a obrigação de pagar parcelas continuadas do preço do imóvel, até a sua quitação.


breves-notas-sobre-a-promessa-de-compra-e-venda-de-imovel

Dentre as inúmeras espécies contratuais previstas na legislação civil, emerge uma utilizada em larga escala no dia-a-dia tanto empresarial como das pessoas físicas, mas cujas repercussões jurídicas nem sempre são devidamente esclarecidas ao público leigo. Trata-se da chamada promessa de compra e venda de imóvel.

Da análise do disposto no art. 1.417 do Código Civil, depreende-se que a promessa de compra e venda representa um direito real de aquisição, sendo certo que uma vez pago o preço estipulado, o promitente vendedor está obrigado a transmitir o domínio. Contudo, estudo mais detalhado do instituto necessariamente implicará na averiguação não só de aspectos de direitos reais, mas também obrigacionais.

É estabelecido no referido contrato que caberá ao promitente comprador a obrigação de pagar parcelas continuadas do preço do imóvel, até a sua quitação.

Consolidado o pagamento integral, cumprirá ao promitente vendedor uma obrigação de fazer, qual seja, firmar o contrato de compra e venda definitiva em favor do promitente comprador.

No que diz respeito aos direitos reais relacionados a tal contrato, estes surgem a partir do registro do instrumento (público ou particular) no Cartório de Registro de Imóveis. Através de tal ato obtém-se a chamada oponibilidade absoluta. Em outras palavras, o direito em questão deixa de ter eficácia apenas na relação comprador/vendedor, passando a alcançar terceiros.

Sobre o tema, eis o entendimento de Nelson Rosenvald:

“A oponibilidade absoluta do direito real gera sequela e torna ineficazes, em face daquele, as alienações e onerações posteriores ao registro do contrato preliminar. Esses efeitos decorrem apenas do registro, antes e independentemente do pagamento do preço”.(Nelson Rosenvald, Direitos Reais, Editora Impetus, 3ª edição, pg. 393)

Interessante notar que além da sequela, característica tão cara aos direitos reais, o princípio da boa-fé objetiva também merece destaque no estudo da promessa de compra e venda. Veja-se a lição de Flávio Tartuce:

“(…) partindo para os efeitos perante terceiros, estranhos ao compromisso, já ficou claro que é imprescindível o seu registro no Cartório de Registro de Imóveis. Como é notório, o registro dará a publicidade e ilidirá a boa-fé de terceiros. Qualquer negócio jurídico celebrado pelo promitente vendedor, seja ele de natureza pessoal (simples locação ou comodato) ou de natureza real (hipoteca, anticrese, servidão, usufruto), serão ineficazes com relação ao promissário comprador em razão da existência prévia do compromisso de venda e compra irretratável. Em relação a essa conclusão, o Enunciado 253 do CJF/STJ, aprovado na III Jornada de Direito Civil, é esclarecedor: “O promitente comprador, titular de direito real (art. 1417), tem a faculdade de reivindicar de terceiro o imóvel prometido à venda”. O enunciado apenas garante ao promissário comprador o direito de sequela, ou seja, de reaver a coisa de quem injustamente o detenha.”(Flávio Tartuce, Direito das Coisas, Editora Método, 2ª edição, pg. 411/412)

Ainda em estreita relação com o princípio da boa-fé nas relações contratuais, nota-se que a cláusula contratual prevendo o arrependimento de qualquer das partes deverá ser considerada nula. A respeito do tema, recorremos novamente à lição de Flávio Tartuce:

“Entendemos, com base nas lições de Flávio Monteiro de Barros, que o início da execução das prestações decorrentes do compromisso por uma das partes impede o exercício do arrependimento (Manual…, 2005, p. 188). Aliás, se a parte inicia a execução de sua prestação e, depois, invoca o direito de arrependimento, estaria adotando comportamento contraditório, pois quem executa o contrato pretende vê-lo cumprido, e não desfeito (Nemo potest venire contra factum proprium). Essa máxima, que veda o comportamento contraditório, decorre da boa-fé objetiva, prevendo o Enunciado 362, da IV Jornada de Direito Civil, que”A vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) funda-se na proteção da confiança, tal como se extrai dos arts. 187 e 422 do CC””. (Flávio Tartuce, Direito das Coisas, Editora Método, 2ª edição, pg. 413)

Na mesma obra transcrita acima, Tartuce promove eficiente apanhado sobre a irretratabilidade do compromisso de compra e venda, chamando a atenção para o disposto na Súmula 166 do Supremo Tribunal Federal (“É inadmissível o arrependimento no compromisso de compra e venda sujeito ao regime do Decreto-lei 58, de 10 de dezembro de 1937”), bem como para a proibição da referida cláusula na lei de parcelamento do solo urbano, Lei nº 6.766/1979, e na Lei de Condomínio em Edificações e Incorporações Imobiliárias, Lei nº 4.591/1964.

Por outro lado, a jurisprudência concede tratamento específico em processos envolvendo promessa de compra e venda e relações de consumo. Em agosto de 2015 foi publicada nova súmula do Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:

“SÚMULA 543

Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. ”

Ao contrário dos temas de Direito Civil expostos acima, que ilustram vínculos nos quais há paridade entre os contratantes, a mencionada súmula trata sobre relações de consumo, que, conforme prevê a Lei 8.078/90, implicam na adoção de medidas de caráter protetivo aos consumidores, já que na grande maioria das circunstâncias não possuem as mesmas condições técnicas e/ou financeiras dos fornecedores de bens e prestadores de serviços.

Nota-se que a Súmula 543, sedimentando entendimento que já vinha sendo adotado por diversos tribunais, aborda o direito de restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador em duas circunstâncias distintas, quais sejam, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, e nas hipóteses em que a rescisão ocorreu em razão de conduta do comprador.

Na primeira hipótese, o consumidor possui o direito à restituição integral. A título de exemplo, podemos citar o atraso do prazo de entrega dos imóveis, ou mesmos vícios verificados após a entrega, além de constatação de cláusulas abusivas nos instrumentos contratuais.

Já entre as circunstâncias na quais o comprador/consumidor deu ensejo ao desfazimento da avença, é possível mencionar eventuais dificuldades financeiras para quitação do preço do imóvel, e até mesmo o mero arrependimento. Cumpre apontar que nessas hipóteses o promitente vendedor tem o direito de reter parte dos valores já desembolsados, sendo certo que a jurisprudência já firmou posicionamento no sentido da legalidade de retenção de valores a fim de cobrir custos, tais como corretagem, publicidade e despesas operacionais. Os limites para tal retenção deverão ser verificados em cada caso.

Por fim, tratemos sobre a adjudicação compulsória, procedimento judicial utilizado nas hipóteses de recusa do promitente vendedor em outorgar a escritura definitiva. Após certa evolução legislativa, tal procedimento encontra-se atualmente positivado no art. 346 do Código de Processo Civil, nos arts. 25 3 27 da Lei nº 6.766/79, e por fim, na lei de registros púbicos, Lei nº 6.015/73.

Neste ponto é relevante voltar à questão do registro da promessa perante o cartório de imóveis. Veja-se como Pedro Avvad avalia o tema da suposta obrigatoriedade do registro para o sucesso da ação de adjudicação:

“Até há bem pouco tempo era imprescindível, para o exercício desse direito, o registro da promessa, não só por disposição legal, mas especialmente pela reiteração de decisões do STF, sempre nesse sentido. Permitia-se, assim, que prosperasse a má-fé do promitente vendedor, quando dependia dele satisfazer alguma exigência registral e, ainda, que usando de expedientes, ou da própria omissão, frustrasse, deliberada e culposamente, o direito do promissário comprador de registrar seu contrato e garantir a compra do imóvel.

Felizmente, o Superior Tribunal de Justiça, desde quando assumiu o exame das questões infraconstitucionais, reviu essa posição jurisprudencial e passou a dispensar essa absurda exigência, quando o instrumento satisfaça os demais requisitos legais. Daí nasceu a Súmula 239, estatuindo que: “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”. Basta, agora, que o título reúna todas as condições essenciais do contrato de compra e venda e se demonstre a quitação do preço para que o promissário comprador se habilite a adjudicar o imóvel, obtendo, judicialmente, a transferência dos domínios. ” (Pedro Avvad, Direito Imobiliário, Editora Renovar, 2ª edição, pg. 511)

Sem a pretensão de esgotar todas as controvérsias abrangidas pela promessa de compra e venda, esperamos haver oferecido acima alguns esclarecimentos para melhor compreensão desse instituto de direito civil tão relevante do ponto de vista prático, haja vista não só os expressivos valores usualmente envolvidos em negócios imobiliários, mas também os efeitos deles resultantes.

Vitor Sepulveda Gomide
Sócio de Malka Y Negri Advogados


Malka Y Negri Advogados
Disponibilizamos diversos artigos elaborados pela equipe, alguns veiculados em jornais de grande circulação e também em mídia especializada.www.malkaynegriadvogados.com.br




Nós apoiamos. Apoie também:

Pró Criança Cardíaca Médicos Sem Fronteiras Action Aid Brasil