Validade de Penhora de Bem de Família pertencente a Fiador em Contrato de Locação

A Lei 8.009/90 discorre sobre a impenhorabilidade do bem de família, assim entendido aos olhos da lei como “imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar”.


 

Naquele momento, surgiu um sério problema para os contratos de locação em geral. Desde então, os locadores passaram a exigir do locatário, fiadores com mais de um imóvel e, com isso, o mercado se retraiu. Para corrigir a distorção, já no assunto seguinte, com o advento da Lei 8.245/91, a qual reformulou matérias relacionadas à locação de imóveis urbanos, criou-se uma exceção, para tonar claro que a impenhorabilidade tratada pela Lei 8.009/90 seria afastada “por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação” (inciso VII, artigo 3º da Lei 8.009/90).

Se de um lado a flexibilização legal trouxe de volta a possibilidade para que fiadores proprietários de um único bem passassem a integrar os contratos de locação, de outro, os mesmos também passaram a nutrir o justo receio de que a inadimplência de seu afiançado, o locatário, lhe custasse a única moradia. E mais cruel ainda, por saberem, que, mesmo o locatário sendo eventualmente proprietário de único bem, este imóvel – do locatário – não poderia ser chamado para responder à dívida, por estar protegido pela mesma lei que passou a permitir a penhora do único bem do fiador.

De toda sorte, as eventuais mazelas e paradoxos legais, acabariam por se amoldar nas relações entre locatário e fiador. Sim, porque se fosse tão importante ao primeiro obter um fiador, e sendo ele locatário, também proprietário, teria como assegurar ao fiador, que seu imóvel, também estaria comprometido. Isso porque não há vedação legal, por exemplo, para que o locatário, espontaneamente, ofereça ao fiador em hipoteca seu imóvel familiar. Aliás, há na Lei nº. 8.009/90 o seguinte dispositivo excludente de impenhorabilidade: “para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar” (inciso V, artigo 3º da Lei 8.090/90). O tempo passou e o assunto chegou aos Tribunais. Fiadores executados reclamavam que a Lei do Inquilinato estaria violando a garantia constitucional do direito à moradia. A matéria restou pacificada no STJ, através da Súmula 549, verbis: “É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação”.

O festejado Professor Sylvio Capanema de Souza, esclareceu então: “consolida-se, assim, o entendimento da lei nº. 8.245/91, no que se refere à possibilidade de se penhorar um único imóvel residencial do fiador de contrato de locação, dispositivo que foi criado para facilitar o acesso à locação, permitindo que o locador aceite fiador que só tenha um único imóvel residencial” (In “A Lei do Inquilinato Comentada”, p. 455, 10ª edição, Forense).

Todavia, em junho do corrente, o STF reacendeu luzes sobre o tema, vedando a penhora no caso de imóvel residencial garantidor de locação comercial. Confira-se a descrição do julgamento no RE 605.709/SP. “Decisão: A Turma, por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto da Ministra Rosa Weber, Redatora para o acórdão, vencidos os Ministros Dias Toffoli, Relator, e Luís Roberto Barroso. Não participou, justificadamente, deste julgamento, o Ministro Alexandre de Moraes. Presidiu, este julgamento, o Ministro Marco Aurélio. Primeira Turma, 12.6.2018” Ao nosso sentir, a decisão comentada representa um ponto fora da curva, destoando dos precedentes anteriores. Como já explicado acima, a Lei nº. 8.009/90, alterada pela 8.245/91, é clara ao excluir da impenhorabilidade a obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. Na legislação, não há qualquer restrição sobre se tratar de imóvel único e destinado a moradia da família e, tampouco ser o locatário comercial ou residencial.

Esta decisão do STF foi proferida por maioria de votos, dentro de uma Turma, ou seja, reflete o entendimento de apenas três ministros, mas, para o caso julgado é suficiente. No entanto, não tem poder vinculante, isto é, ao menos por ora, não obriga a que os demais magistrados a sigam. Acredita-se que em algum momento, o Plenário do STF, será provocado a uniformizar a jurisprudência, a partir deste lamentável precedente. Não obstante, neste cenário de instabilidade, a recomendação mais segura é exigir fiador com ao menos dois imóveis, valendo frisar, uma vez mais, que locações existentes ou futuras, com fiador proprietário de único imóvel, não necessariamente afastarão a obrigação de pagar pela inadimplência do locatário. O cuidado, contudo, nestes casos, direciona para a recomendação de ajuizar ação de despejo com mais celeridade, evitando acúmulo de dívida passível de não ser satisfeita.

Jacques Malka Y Negri

Agosto/2018

Sócio em Malka Y Negri Advogados

 



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